As
ocorrências de agressões contra idosos tiveram aumento de quase 50
mil casos em 2023 na comparação com o ano anterior.
De
2020 a 2023, as denúncias notificadas chegaram a 408.395 mil, das
quais 21,6% ocorreram em 2020, 19,8% em 2021, 23,5% em 2022 e 35,1%
no ano seguinte. Os números fazem parte da pesquisa Denúncias
de Violência ao Idoso no Período de 2020 a 2023 na Perspectiva
Bioética. A pesquisa resultou em artigo publicado em parceria pelas
professoras Alessandra Camacho, da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Programa Acadêmico em
Ciências do Cuidado da UFF, e Célia Caldas, da Faculdade de
Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Para
traçar o perfil dos idosos, foram analisadas diversas variáveis
além da faixa etária, como região do país, raça e cor, sexo,
grau de instrução, relação entre suspeito e vítima, e o contexto
em que a violação ocorreu.
O
estudo analisou informações disponíveis no Painel de Dados da
Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos
Humanos e Cidadania, com base em denúncias de violência registradas
de 2020 a 2023, de casos suspeitos ou confirmados contra pessoas com
idade igual ou superior a 60 anos. Foram excluídas duplicatas de
notificações referentes à mesma ocorrência.
O
aumento de casos em 2023 surpreendeu a professora Alessandra Camacho,
que esperava por queda nos índices. Ela disse que, ao finalizar a
coleta de dados, no fim de março, recebeu "com certa
perplexidade" o resultado, que mostrou aumento significativo,
principalmente em relação ao ano de 2023. "Como exemplo, em
2022, tivemos 95 mil denúncias, o que já era superior aos dados de
2021, e em 2023, mais de 143 mil denúncias.”
Em
entrevista à
Agência Brasil,
Alessandra destacou que a intenção, no início da pesquisa, era
verificar os registros durante a pandemia de covid-19. Embora os
números tenham sido relevantes naquele momento, houve avanço nas
denúncias. “Os registros de aumento já vinham ocorrendo antes da
pandemia. Durante a pandemia, foram maiores do que em 2019 e, depois
disso, vêm aumentando progressivamente.”
Segundo
a pesquisadora, parte desse movimento tem origem no comportamento da
sociedade. “As pessoas estão tendo coragem de denunciar. Quanto
mais se divulgarem essas informações, mais as pessoas vão
denunciando. Essa análise nos faz vivenciar algumas suposições
importantes: a violência já acontecia, mas agora as pessoas,
cientes dessa situação, porque são diversos tipos de violência,
estão buscando os meios de denúncias seja em delegacias, seja na
própria Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da
Cidadania. A sociedade precisa se conscientizar, e creio que isso
está acontecendo”, afirmou.
Alessandra
ressaltou que hoje há facilidade para gravar e registrar essas
situações, seja no âmbito residencial ou privado e até mesmo em
casos de violência na rua. "Muitas pessoas têm vergonha
e relatam isso, mas, ao mesmo tempo, vislumbro com a possibilidade de
ampliar essa divulgação, já que as pessoas estão tendo coragem de
denunciar.”
De
acordo com Alessandra, o Painel do Ministério dos Direitos Humanos e
da Cidadania já anotou 74.620 denúncias neste ano, o que indica
aumento de casos em relação ao ano de 2023.
A
Região Sudeste foi a que registrou maior número de casos (53%) de
2020 a 2023. Em seguida, aparece a Região Nordeste (19,9%). “A
Região Sudeste tem a maior concentração de idosos. Os dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já vêm
mostrando isso de maneira bem notória. O Sudeste teve no período do
estudo (2020-2023) mais de 50% de denúncias em relação ao país
inteiro”, completou.
Vulnerabilidade
Para
a professora Alessandra Camacho, a vulnerabilidade dos idosos é um
fator de associação entre a idade avançada e o maior percentual de
denúncias de violência relacionado às pessoas de 80 anos ou mais.
Conforme
a pesquisa, o percentual máximo dos casos (34%) foi registrado em
2023. “É importante destacar o risco de violência para pessoas de
80 anos ou mais, que são as mais vulneráveis em termos de problemas
físicos, e é preciso também atentar para esse dado, que podemos
tentar atenuar dando uma rede de suporte e apoio à família”,
disse a professora, lembrando que é uma faixa etária que demanda
mais cuidados e e serviços.
Nas
questões de gênero, as mulheres são mais suscetíveis à
violência, uma consequência da desigualdade, intensificada com o
envelhecimento. No período de 2020 a 2023, o sexo feminino respondeu
por mais de 67% das denúncias notificadas. O número inclui aumento
percentual no ano de 2022 equivalente a quase 70% dos casos
registrados. “Esse também é um dado relevante porque as mulheres
alcançaram um quantitativo de mais de 60% no período estudado, e
isso se repetiu em 2024, o que só vem confirmar que a mulher tem
também situação de vulnerabilidade”, afirmou a professora, que
defende políticas públicas para essa parcela da população.
Raça
e cor
A
população branca foi a mais atingida, com as ocorrências
apresentando crescimento ao longo dos anos. A segunda maior parcela
foi a dos pardos, que também mostrou tendência de aumento no
período analisado. Conforme a pesquisa, há estudos que indicam
tendência de minimizar casos de violência no comportamento de
pardos e negros, possivelmente, por conta de experiências anteriores
semelhantes.
A
professora chamou atenção para o fato de que, às vezes, quem faz a
denúncia, dependendo da circunstância, não consegue evidenciar
qual é a raça ou cor da vítima. “Alguns dados ainda são um
pouco mascarados por causa das circunstâncias da pessoa que está
denunciando. Há uma dificuldade no item não declarado também. Não
se pode inferir qualquer tipo em detrimento da raça parda, preta,
amarela, indígena porque não se sabe quais são os elementos
circunstanciais que estão levando a essa pessoa a não efetivar a
denúncia de maneira mais completa.”
De
acordo com a pesquisa, os casos de violência entre idosos ocorrem em
diferentes graus de escolaridade e instrução, mas os analfabetos,
ou têm ensino fundamental incompleto, são mais prejudicados pela
falta de informação e os que sofrem mais ocorrências. Ainda neste
item, o número de casos não declarados foi expressivo e teve no ano
passado o seu percentual mais elevado (73,16%).
Na
maioria, os filhos são os suspeitos em casos declarados de violência
contra idosos. No período pesquisado, eles representaram 47,78% em
2020, 47,07% em 2021, 50,25% em 2022 e 56,29% em 2023. O estudo
revelou que a maior parte das denúncias e violações relatadas
ocorreram na casa onde a vítima e o suspeito residem, tendo na
sequência a casa da própria vítima.
Medidas
Alessandra
ressaltou que é importante continuar com a análise anual das
informações sobre violência contra idosos, bem como ampliar a
divulgação do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos
Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e as
políticas públicas destinadas a essa população, para mostrar que
os canais de denúncia são eficientes. “Políticas de acolhimento,
capacitação de profissionais que fazem acolhimento, não somente da
área de saúde, mas um policial em uma delegacia, um profissional da
área jurídica que está auxiliando no momento de uma denúncia,
porque pode ser uma violência patrimonial em que o idoso está pode
sofrer dano financeiro.”
Uma
forma mais direta de denunciar casos de violência contra idosos é o
Disque Direitos Humanos - Disque 100, ou por meio de delegacias
delegacias preparadas especialmente para atender essa parcela da
população, além do Ministério Público, que também faz esse tipo
de acolhimento.
Em
parceria com a Faculdade de Enfermagem da UERJ, a Escola de
Enfermagem Aurora de Afonso Costa da UFF lançou uma cartilha
informativa e educativa sobre violência contra idosos. Na
publicação, é possível consultar a legislação brasileira sobre
o tema, dados importantes e os tipos de violência que são
praticados contra idosos.
A
metodologia usada na pesquisa é baseada nas diretrizes do
Strengthening the Reporting of Observational Studies in
Epidemiology). Alessandra Camacho informou que a coleta de dados
começou por volta de janeiro do ano passado e foi concluída
Para
dar mais visibilidade ao tema, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) definiu junho como mês da conscientização da violência
contra a pessoa idosa.