Alvo constante de insultos
racistas em partidas do Campeonato Espanhol, Vinícius Júnior,
atacante do Real Madrid, entrará em campo nesta terça-feira (26),
no Estádio Santiago Bernabéu, vestindo a amarelinha. A seleção
brasileira enfrenta a Espanha, a partir 17h30 (horário de Brasília)
na capital espanhola. O principal objetivo do jogo é reforçar a
luta antirracista deflagrada por Vini Jr no último ano na Espanha.
Em entrevista
coletiva
nesta
segunda (25), às vésperas do amistoso, Vini Jr não conteve as
lágrimas e revelou que se sente desmotivado a seguir jogando futebol
na Espanha.
“É uma coisa muito
difícil e eu tenho lutado bastante por tudo que vem acontecendo
comigo. É desgastante porque você está meio que sozinho em tudo,
porque eu já fiz tanta denúncia e ninguém é punido, nenhum clube
é punido. E a cada dia que passa eu venho lutando por todas aquelas
pessoas que vão vir, porque se fosse apenas por mim, pela minha
família, eu acredito que eu já teria desistido de tudo que venho
lutando. A cada dia quer vou para casa fico mais triste, mas eu fui
escolhido para defender uma causa tão importante, que cada dia eu
estudo mais sobre [o racismo], eu venho aprendendo para que num
futuro muito próximo, o meu irmão que tem cinco anos não venha a
passar por tudo que estou passando”, desabafou o atacante, que teve
ao menos 10 episódios de racismo relatados aos procuradores do
Campeonato Espanhol.
O
amistoso contra a Espanha em Madri terá uma identidade visual com
destaque para o preto e branco. No momento do hino, os jogadores
brasileiros usarão jaquetas pretas com o slogan “uma só pele; uma
só identidade”, em português, inglês e espanhol.
Ao longo da coletiva, Vini
Jr chorou algumas vezes, a primeira delas ao abordar a forma como é
tratado pela imprensa na Espanha.
“Acredito que eles
[jornalistas] têm que falar menos de tudo o que eu faço de errado
dentro de campo, é claro que tenho que evoluir, mas tenho 23 anos, é
um processo natural, saí muito novo do Brasil, não pude aprender
tantas coisas. Tenho 23 anos e sigo estudando. Por que os repórteres
da Espanha, que são mais velhos do que eu, não podem estudar e ver
o que realmente está acontecendo? Cada vez estou mais triste, cada
vez tenho menos vontade de jogar, mas vou seguir lutando”, disse
Vini Jr., enxugando as lágrimas.
Em
meio a tantos desafios, o camisa 7 disse estar animado com o
amistoso desta terça, principalmente após a primeira vitória do
Brasil sob comando do técnico Dorival Júnior, contra a
Inglaterra (1 a 0), no último sábado (23), em Londres.
"Vai ser um sonho
realizado para mim, poder jogar na minha casa aqui na Espanha, o
Bernabéu, com a camisa da seleção brasileira, onde sempre sonhei
estar. E pela primeira vez com a torcida contra. Vai ser um duelo
muito importante para as duas seleções, algumas das maiores do
mundo, faz tempo que não se enfrentam. A gente gosta de jogar contra
os melhores, como foi contra a Inglaterra, conseguimos fazer um
grande jogo”.
Outros
trechos da entrevista
Deixar o Real
Madrid
"Pensei em sair, sim.
Mas se saio daqui, estou dando o que querem aos racistas. Vou seguir
lutando e jogando no melhor do mundo, ganhando títulos e fazendo
muitos gols, para que vejam cada vez a minha cara. Sigo evoluindo
para isso. Jogar futebol e fazer a alegria das minhas pessoas e de
todos que vão ao estádio. Racistas sempre serão minoria. Como sou
um jogador atrevido, que joga no Real Madrid e ganhamos muitos
títulos, é complicado. Mas vou seguir firme e forte pois presidente
me apoia, o clube me apoia, para que eu continue e possa ganhar
muitas coisas".
O que frustra mais?
"A falta das punições.
Se a gente começar a punir todas essas pessoas que cometem crime e
aqui eles não consideram crime, vamos começar a evoluir, tudo vai
ficar melhor para todo mundo. Faço tantas denúncias, muitas vezes
chegam cartas para fazerem mais denúncias, mas no final acontece
como aconteceu com meu amigo em Barcelona, eles arquivam o processo e
ninguém sabe de nada. Se a gente começar a punir essas pessoas, não
que eles vão mudar o pensamento, mas vão ficar com medo de falar,
seja no estádio, onde tem câmeras... e assim vamos diminuir isso,
colocar medo naquelas pessoas. E que eles possam também educar seus
filhos. Muitas vezes aqui tem criança me xingando e eu não culpo a
criança, porque eles não entendem, eu na idade deles não entendia
o racismo. É complicado.
No futebol tem muitas
pessoas, tantos jogadores melhores do que eu que já passaram por
aqui, eu quero fazer com que as pessoas no mundo possam evoluir,
melhorar, que possamos ter igualdade, que num futuro próximo haja
menos casos de racismo, que as pessoas negras possam ter uma vida
normal, como as outras. Quero seguir lutando por isso. Se fosse por
mim, eu já teria desistido, fico em casa, ninguém vai me xingar,
fazer nada comigo... Eu vou para os jogos com a cabeça centrada no
jogo para fazer o melhor para minha equipe, mas nem sempre é
possível. Tenho que me concentrar muito todos os dias",
revelou, entre lágrimas.
Apoio dentro e fora
de campo
"Quero agradecer desde
já a todos os jogadores da Espanha que sempre que dão entrevista
estão me apoiando, fazendo tudo para que a Espanha mude seu
pensamento. Não só a Espanha, em todo lugar tem muito racismo.
Espero que a gente possa fazer tudo para diminuir cada vez mais o
racismo. Os jogadores da Espanha estão me ajudando muito, falando
coisas que no início só eu falava. Sempre peço que Fifa, Conmebol,
Uefa possam fazer mais coisas, como a CBF está fazendo, vem me
ajudando para que possamos evoluir como seres humanos, para que todos
possam estudar para ver o que os pretos passam e passaram. O que eu
passo não é nem perto do que todas essas pessoas passaram. Eu quero
lutar por aqueles que são pretos".