Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra Jair Bolsonaro (PL) avança além das conclusões da Polícia Federal (PF) sobre os ataques de 8 de janeiro de 2023. A Procuradoria sustenta que o ex-presidente não apenas fomentou os atos antidemocráticos, mas também concordou com um plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes.
No entanto, esses pontos não constam
no relatório final da PF, que apesar de estabelecer conexões entre
Bolsonaro e a radicalização de seus apoiadores, não chegou a imputar
diretamente sua participação nos ataques nem a sua anuência a um plano
de homicídio.
Diferentemente da PF, que apontou
que Bolsonaro estimulou um ambiente de desconfiança eleitoral e
fortaleceu discursos golpistas, a PGR atribui a ele uma ligação direta
com os ataques em Brasília.
Gonet sustenta essa tese com mensagens de WhatsApp trocadas entre
aliados do ex-presidente. Em uma delas, datada de 2 de janeiro de 2023, o
major da Aeronáutica Maurício Pazini Brandão escreveu:
“O plano foi complementado com as contribuições de sua equipe.
Aguardamos na esperança de que será implementado. Bom dia. A ‘minha
tropa’ (hehehehe) continua com ‘sangue nos olhos’… Bom dia. Feliz Ano
Novo. Conversa hoje com o Amir. Desmobilizamos a tropa ou permanecemos
em alerta?”
O relatório da PF menciona a mensagem, mas não aponta qualquer resposta
de Bolsonaro ou ações concretas que indiquem sua participação nos
ataques. Mesmo assim, a PGR afirma que a invasão ao Congresso, ao
Palácio do Planalto e ao STF foi “fomentada e facilitada” pelo grupo ligado ao ex-presidente.
Já Mauro Cid, considerado peça-chave da investigação, negou relação
entre as mensagens e o ataque de 8 de janeiro. Em depoimento a Moraes,
declarou:
Apesar de a PF tratar Cid como um “fio condutor” da apuração, sua versão não foi considerada na denúncia da PGR.
Outro ponto em que a PGR extrapola as conclusões da PF é a suposta concordância de Bolsonaro com o chamado plano “Punhal Verde Amarelo”, que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes.
A PF concluiu que Bolsonaro teve
ciência da proposta porque o documento foi impresso pelo general da
reserva Mario Fernandes dentro do Palácio do Planalto, em um período em
que possivelmente se encontrou com o então presidente. Porém, o
relatório da polícia não afirma que Bolsonaro concordou com o plano.
A PGR, no entanto, sustenta que ele não apenas soube, mas deu aval ao esquema.
Para justificar essa acusação, Gonet cita uma mensagem de Fernandes
enviada a Mauro Cid, na qual o general diz ter falado com Bolsonaro e
que “qualquer ação” poderia acontecer até 31 de dezembro.
Nos depoimentos mais recentes de sua delação premiada, Mauro Cid foi
questionado se Bolsonaro tinha conhecimento do plano e respondeu:
“Eu não tenho ciência se o presidente sabia ou não.”
A posição de Cid, que enfraquece a tese da PGR, também não foi levada em conta na denúncia.
A denúncia também trata da
participação do general Estevam Theophilo, chefe do Comando de Operações
Terrestres do Exército no fim de 2022. A PF levantou a hipótese de que o
militar teria aceitado participar do golpe, desde que Bolsonaro
assinasse um decreto formalizando a ruptura institucional.
A principal evidência é uma mensagem de Mauro Cid enviada a um interlocutor:
“Mas ele quer fazer… Desde que o Pr [presidente] assine.”
Apesar dessa suspeita, a PF não afirmou de forma conclusiva que
Theophilo estivesse disposto a concretizar o golpe. Em depoimento, Mauro
Cid minimizou o envolvimento do militar e declarou:
“Até mesmo o general Theophilo comentou algumas vezes que ele não
aceitaria assumir o Exército se o general Freire Gomes fosse retirado,
até por lealdade a ele.”
Mesmo assim, a PGR incluiu Theophilo na denúncia, reforçando a suspeita sobre sua adesão ao golpe.
A denúncia da PGR contra Bolsonaro
apresenta elementos que vão além das conclusões da Polícia Federal,
atribuindo ao ex-presidente um papel mais ativo nos atos de 8 de janeiro
e na trama golpista.
Enquanto a PF apontou Bolsonaro
como instigador do clima de desordem, a Procuradoria o responsabiliza
diretamente pelos ataques e pela anuência a um plano de assassinato de
autoridades, mesmo sem apresentar provas conclusivas além de mensagens
que podem ter diferentes interpretações.